Depois de tanto tempo eu havia me esquecido; havia enterrado as memórias mágicas das minhas lembranças
Um conto de Simone Rodrigues
A escuridão dominou o céu sem estrelas.
Em uma fração de segundos, não havia sequer um ponto ínfimo de luz para aclarar as sombras que abrangiam o cômodo.
Aliás, as trevas que caíram sobre o coração da floresta naquela noite intimidavam até mesmo a suntuosa Green House.
Green House foi o nome que minha tia Evangelyne batizou a casa luxuosa que agora eu havia herdado dela após sua partida deste mundo.
A propriedade foi construída na clareira de um bosque magnífico no lar de Carvalhos centenários e Pinheiros gigantescos.
Durante o dia, o cenário impressionante digno de mundos fabulosos brilhava orgulhoso quando raios de sol reluziam despretensiosos entre as copas das árvores, criando um jogo de sombra e reflexos dourados no tapete verde que revestia o chão.
O ar impregnado com a fragrância da infinidade de flores de todas as cores e variedades que enfeitam o jardim, a sinfonia do cantarolar dos pássaros e o murmúrio das águas tranquilas dos riachos eram um convite diário para sonhar com reinos encantados, seres fantásticos, e mundos fictícios.
Green House era meu lugar favorito desde quando eu era apenas uma garotinha sem graça e tímida, munida de uma imaginação fértil, que vinha passar as férias na casa da tia predileta.
Todavia naquele momento, toda aquela paisagem encantadora estava encoberta por trevas tão densas das quais eu não tinha presenciado igual.
Tateando pelas paredes do meu quarto consegui encontrar minha antiga escrivaninha e, por fim, a lamparina que eu deixava em cima dela para emergências como essa.
Um alívio tomou conta de mim e mesmo com dificuldade, consegui acendê-la.
Sua chama cálida abrandou o breu da noite. Pude enxergar novamente a mobília elegante e a decoração charmosa do meu quarto.
Justo quando preciso retornar à antiga casa por alguns dias, a eletricidade precária da montanha decide não funcionar! Pensei comigo mesma.
Com a arandela em mãos, desci devagar a escada para verificar os cômodos do andar de baixo.
Antes mesmo que as pontas dos dedos dos meus pés tocassem os últimos degraus, eu escutei a respiração pesada de alguém.
Alguém familiar imediatamente ele me veio à mente e na alma, trazendo à tona os segredos mais escondidos do meu coração.
Eu tinha certeza de que era ele!
Como não havia passado pela minha cabeça de que tudo aquilo era obra dele?
Aparições dramáticas e até assustadoras como aquela eram típicas de criaturas como ele.
E depois de tanto tempo eu havia me esquecido. Havia enterrado as memórias mágicas das minhas lembranças.
Aos poucos, enquanto eu me aproximei de onde ele estava. A luz bruxuleante do fogo que queimava a madeira na lareira que ele acabara de acender, iluminou a sala e as obras de arte das paredes e as poltronas confortáveis que o cercavam.
Pude então ver seu corpo agachado se virar devagar em minha direção, enquanto os últimos gravetos de madeira que ele havia lançado queimavam nas chamas.
Seu perfil era perfeito. Fios de seu lindo cabelo escuro como o ébano caiam sobre seu rosto, até a ponta de seu nariz.
Ele se movimentou sem pressa até que eu pude ver seu rosto por completo.
As sobrancelhas espessas e marcantes davam aos olhos expressivos um ar misterioso.
O singular tom de seus olhos violeta brilharam como nunca ao me ver.
Enquanto assistimos a imagem diante um do outro, um sorriso aberto foi aos poucos se formando em seu rosto.
Como em câmera lenta observei ele se levantar.
As pernas fortes, os ombros grandes, o peito largo, nossa! Ele estava muito mais alto do que eu me lembrava.
O traje preto lhe conferia a elegância de um lorde inglês.
– Melantha! Como você mudou! Está mais linda! Se tornou uma mulher encantadora.
Sua voz lhe escapou carregada de sentimentos ao pronunciar meu nome.
Meu coração acelerou querendo pular para fora do meu peito. Eu mal consegui me mover enquanto processava aquele misto de emoções.
– Olá! Tristan?
Eu perguntei ao mesmo tempo em que milhares de lembranças nossas passavam diante dos meus olhos.
– É você mesmo?
Perguntei achando que eu estava sonhando.
Ele riu baixinho com meu questionamento. A pergunta com certeza lhe soou estranha.
– Sim, claro que sou eu!
Ele chegou mais perto.
– Eu sabia que você retornaria. Antes de Evangeline partir, ela me disse que você voltaria para seu lar. Desde então tenho esperado ansiosamente sua volta.
— Eu… eu… como vou lhe dizer… por um tempo da minha vida evitei vir a Green House e achei que você fosse apenas fruto da minha imaginação. Um sonho adolescente.
Ao meu ouvir, sua expressão mostrou certa surpresa.
– Ah! Entendo. Você tentou apagar Ethérea de suas memórias. Fingiu não se lembrar do Reino das Sombras, e até se empenhou para se esquecer de nós!
Tristan deu mais um passo em minha direção.
Suas mãos tocaram meus braços.
Ele olhou tão profundamente em meus olhos que nada mais parecia tão real quanto sua presença e quanto o ar que saia de seu corpo enquanto respirava. O calor de suas mãos em mim era vigente! Nada era tão verdadeiro quanto a melodia de suas palavras.
– Somos parte um do outro Melantha. O Reino das Sombras é o seu caminho e eu sou o seu destino!
Dali em diante eu sabia. Sabia que eu havia fugido de Green House mas ela continuaria comigo para sempre. Minha tia Evangelyne era a guardiã do portal que levava a Ethérea, e lá era o meu verdadeiro lugar.
Os lábios quentes de Tristan tocaram os meus com doçura, porém sua audácia incendiou todo meu corpo.
Explicitamente eu queria estar ali, nos braços de Tristan. Para, como a tempos atrás, estarmos conectados, vinculados um no outro para então nos tornamos um.
Ele me carregou em seus braços para me transportar para seu reino.
Um lugar onde árvores sussurram segredos ancestrais.
Habitação de seres intrigantes e misteriosos como Doom, um dragão sombrio, uma criatura colossal de escamas negras e olhos brilhantes que guarda antigos grimórios e conhecimentos arcanos, além de portais para outros mundos.
Ethérea, lugar para onde Tristan me levava consigo, é uma terra onde a bravura dos aventureiros é testada em sua busca por tesouros e segredos.
Este é um reino onde a magia dança livremente, entrelaçando-se com a natureza em uma sinfonia de maravilhas e mistérios, onde o inexplorado aguarda corajosos exploradores para desvendar seus segredos mais profundos.
Simone Rodrigues é nascida e criada em São Paulo e há mais de 20 anos é moradora da cidade de Guarulhos; é visagista, hairstylist e maquiadora cuja jornada vai além dos salões de beleza. Em 2018, conquistou o 5º lugar no Prêmio de Literatura Guarulhos com seu primeiro livro, abrindo as portas para uma série de cinco obras subsequentes. Enquanto seu talento se destaca na arte dos cabelos, sua verdadeira paixão se revela nas páginas em que escreve, repletas de histórias de amor e fantasia destinadas a inspirar mulheres. Seus livros não são apenas uma expressão artística, mas uma extensão dos seus sonhos e de sua vida, dedicada a encantar e transformar.
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