Um beco sem saída

La Dolce Vita

Paulo Maia

Temos dentro de nós uma besta que lutamos em domar e fracassamos ou somos, na verdade, a besta que almeja a civilização, mas sofre com seu malogro?

Esta parece ser a questão que circunda toda a trama de O Beco do Pesadelo (Nightmare Alley, 2021), o mais recente filme de Guilhermo del Toro.

O longa é uma adaptação do romance de 1946 de mesmo nome de William Lindsay Gresham. Tem um elenco estelar: Bradley Cooper, Cate Blanchett, Rooney Mara, Willem Dafoe, Toni Collette, Ron Perlam, entre outros. Está cotado ao Oscar deste ano.

Bradley Cooper como Stan Carlisle em "O Beco do Pesadelo" (2021) de Guilhermo del Toro

A fotografia do filme é sensacional e remete ao estilo noir que tanto fez sucesso em thrillers e histórias de detetives dos anos 30 e 40, nos quais brilharam, por exemplo, Humphrey Bogart.

Mas aqui não é sobre detetives que desvendam assassinatos. Trata-se da história de um andarilho, Stanton Carlisle (Bradley Cooper) que se junta a uma trupe circense e percebe que tem condições de apresentar, ele mesmo, alguns shows, promovendo atos de adivinhação, depois de aprender alguns truques e esquemas com um casal do qual se aproxima (Collette e David Strathairn) em sua estada no Circo. Mas ele logo percebe também que pode alçar voos mais altos e decide seguir seus planos acompanhado de uma atriz performática com a qual ele se envolve (Rooney Mara).

Já mais bem sucedido, fazendo shows em clubes frequentado pela alta sociedade, percebe que, além de truques que levam pessoas a acreditar que ele realmente tem dons de adivinhação, pode também fazê-las crer que se comunica com os mortos. Então passa a engendrar esquemas mais sórdidos, agora com a ajuda de uma psicóloga ardilosa (Cate Blachett) que lhe dá dicas de seus clientes milionários e importantes que perderam entes queridos de formas traumáticas e que buscam alguma maneira de comunicação para consolo de seus espíritos. É aí que Stan deixa de ser apenas um entertainer para se tornar um verdadeiro vigarista. E nesta jornada, vê sua ruína e, sendo ele mesmo agora, vítima de sua própria crença.

O romance já havia sido filmado em 1947, aqui com o título de O Beco das Almas Perdidas e tinha Tyrone Power no papel de Carlisle. Mas a versão de del Toro parece se apresentar mais soturna buscando salientar o que há de mais perverso na natureza humana quando tratamos de cobiça e de sucesso.

Divulgação

O Circo na história é o lugar, por excelência, onde a vida acontece e onde os desejos podem ser realizados. Não importa em que lado da cortina você se encontra. Os que apresentam o show usam de todos os truques e artimanhas para aguçar a curiosidade dos visitantes. Mostram que a vida tem seus horrores, mas que são tão sedutores que merecem serem vistos e apreciados. Assim, desde o geek, que é apresentado como um misto de animal e ser humano, à garota que enfrenta choque elétricos em seu corpo, o “homem-cobra” que se contorce todo até a cativante vidente que traz mensagens dos que já partiram para aqueles desolados que ainda querem um momento definitivo para purgarem seus pecados e traumas e assim confortarem suas consciências.

A vida se apresenta neste cenário onde ora somos a besta que berra “eu não sou assim!”, lutando por uma humanidade que aos poucos se esvai em troca de sobrevivência, ora somos aquele travestido nos mais belos modos civilizados, buscando satisfação na forma mais selvagem possível. Nestas horas é que vemos pouca diferença entre uma mordida no pescoço de uma galinha e uma história encenada para enganar e furtar esperanças alheias. Existe um ponto em que não é mais possível diferenciar o homem do monstro. As aparências, como as vestes e gestos pouco escondem a voracidade pela cobiça; e a dignidade que une homens e mulheres em contraposição à condição selvagem, se esvai pela fumaça do cigarro ou no trago do uísque.

A história mostra que a melhor forma de enganar as pessoas é apresentar a elas o mundo que querem mesmo ver. Para usar uma palavra (cara) do momento, são “narrativas” que unem anseios sociais (da nossa parte civilizada) com cobiças bestiais (em nosso ser irracional) que fazem o ser humano, como animal, se mexer. Mas elas também podem levá-lo ao abismo, quando algum dos elementos dessa equação se apresenta em proporções exageradas.

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Quando um homem começa a crer em suas próprias mentiras, ele começa a acreditar que tem o poder. Ele está cego!”, diz o “mentalista” Pete Krumbein (David Strathairn), de quem o pobre Stan aprende alguns truques.

A fragilidade que nos encontra na miséria nos faz sujeitos da condição da perda total de humanidade. Ela se contrapõe à cegueira que a sensação de poder absoluto sobre tudo nos inflige.

O Beco do Pesadelo apresenta o fracasso da moralidade do homem diante de sua natureza fria e natural, revelando que nossos desejos mais baixos e feios afloram e corroem, pondo abaixo, pilares que sustentam ideias e conceitos supostamente civilizatórios.

Paulo Maia é publicitário, um pensador livre e morador do Morumbi que mantém sua curiosidade sempre aguçada

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