Assim como racismo, LGBTQIA+fobia, misoginia, machismo, xenofobia, sexismo e outros tantos preconceitos, o capacitismo é o preconceito, a discriminação às pessoas com deficiências. Ou seja, se evidencia na dificuldade de perceber pessoas como deficiência como iguais – em ambientes políticos, sociais, laborais etc.
Vamos conversar sobre como as pessoas com deficiência foram existindo na nossa história global, em épocas em que a reprodução social de grandes sistemas era presente, inclusive, em países como o Brasil.
Por um bom tempo, pairou sobre a sociedade leis morais e depois positivadas, tornando legais em sistemas e sociedades a proibição de ser feio em público. No espaço público e social, desde a praça até as escolas, era proibida a existência de pessoas ditas feias. E na descrição contavam: pessoas com deficiência, mutilações, amputações…Inclusive, nos EUA, onde os estados que aplicavam multas em caso de violação da norma. Em um extenso estudo de Susan Schweik (2009), Uggly Laws: Disability in Public (2009), aos corpos com deficiência não era permitido existir – somente suportava-se a existência como requisito de bondade, por isso, a ideia de recolher corpos com deficiência, ditos feios e colocá-los em espaços fechados, restritos. A vida, era restrita e silenciada.
Na II Grande Guerra, foi implementado um plano de ensino que educava as crianças do quão indignas eram as vidas das pessoas com deficiência. Além disso, o gasto com uma pessoa com deficiência, possivelmente, onerava o Estado. Isso criou uma concepção de que a vida das pessoas com deficiência tinha um custo menor do que aqueles que não possuíam uma deficiência. Um utilitarismo da vida a partir das condições humanas que habitam corpos diferentes. Durante esse período, foi executado o plano Aktion T4, com uma capa de ideia higienista e sanitária, que promoveu a morte de cerca de 300 mil pessoas com deficiência, de todas as idades e ainda tornou estéril cerca de outras 400 mil. Tudo foi executado numa chamada Fundação de caridade – o benefício da morte? – para cuidados institucionais.
No Pós-Guerra, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos registra-se como um marco, pois, a partir dela pessoas com deficiência passaram a ser consideradas na sociedade. A construção social primeiro marginalizou corpos e condições, para depois empregar um véu no assistencialismo e altruísmo voltados para frentes que passaram da integração social e reabilitação e acesso à educação.
E, agora, surge a nova onda anticapacitista (finalmente!): inclusão social
No Brasil, cerca de 24% da população possui algum tipo de deficiência física (CENSO DE 2010). O número é ainda maior quando falamos de deficiências invisíveis, neurodivergentes e múltiplas, e estima-se que há um aumento de cerca de 7% da população. Pessoas com deficiência, visível ou não, aproximam-se de cerca de 30% da população brasileira. Somente a deficiência visual é característica de cerca de 35 milhões de brasileiros – no mundo chegamos ao número de 2 bilhões de pessoas.
Apesar do grande número de deficientes, apenas 2% dos funcionários em empresas brasileiras são portadores de alguma deficiência física, normalmente, àquelas em que haja menor esforço de adaptação e acessibilidade da empresa como capacitações interpessoais da equipe para acolhimento.
O contrário do capacitismo é a inclusão. É ofertar oportunidades equitativas e com igualdades às pessoas e suas diversidades e condições humanas. O anticapacitismo é disrupção em inclusão e acessibilidade, por meio do respeito e do reconhecimento das existências com deficiências.
Somente após Constituição Federal de 1988 é que começam esmeros de reconhecimento das pessoas com deficiência, mas ainda pautados na visão capacitista de condições e utilidades na sociedade. Tanto o é que a primeira lei que surge é em 1989: a lei de INTEGRAÇÃO SOCIAL das pessoas com deficiência. Veja, não era de inclusão, e sim de integração. Um encaixe, uma adaptação para integração social. Ou seja: o sujeito, a pessoa com deficiência que deveria se adequar ao mundo – mesmo sem opções óbvias de sobrepor uma deficiência.
Em 1991 surge a Lei de Cotas com previsão de inclusão de pessoas com deficiência na esfera laboral. Ou seja, somente 43 anos depois da Declaração Universal de Direitos Humanos temos uma medida mínima – quase pífia – de inclusão em um dos sistemas da sociedade – o laboral. Sem, contudo, ofertar inclusões em outros sistemas, como o educacional e a formação profissional.
A Lei estabelece como obrigatório que, a partir de 100 empregados, as empresas mantenham pelo menos de 2% a 5% de vagas para deficientes e sob a coerção de aplicação de multa. A Lei tem cerca de 30 anos e, ainda hoje, as empresas não a seguem de forma correta, não há fiscalização e informação e as demandas recaem no Judiciário.
A negação de acesso às pessoas com deficiência fez com que essas sobrevivessem pelos tempos, especialmente pela garra, coragem e resiliência. Elas conseguiram diferentes formas de ver o mundo, de relacionar-se e superar obstáculos, procurando adaptar corpos e existências aos padrões de expectativa social e visão retrógrada de utilitarismo de existências – igual a previsão legal de 1989.
Não rara as vezes, você observará uma pessoa com deficiência, executando uma atividade que para a pessoa sem deficiência lhe parecerá uma superação. Mas, pessoas com deficiências, nem sempre se resumem a uma superação. Seria muito melhor um mundo pensado para todos do que a espetacularização do esforço para sobrepor as condições limitantes. Essas são oferecidas pelo Estado como: acesso a educação, cultura, saúde e trabalho, e também pelos espaços laborais privados, que acreditam na inclusão como obrigação legal ou altruísmo e não as percebem em condições de igualdade.
Em 2018, O Ministério do Trabalho divulgou um estudo chamado de RAIS (Relação Anual de Informações Sociais), que apontou a existência de 7 milhões de pessoas com deficiência aptas ao mercado de trabalho. Mas, somente cerca de 486 mil (7%) estavam registradas em emprego formal.
Caroline Vargas Barbosa é advogada, docente universitária e pesquisadora. Doutorando em Direito pela UnB, Mestra em Direito Agrário pela UFG e especialista em Processo Civil pela UFSC. Atua em pesquisas e assessoramentos de diversidade, inclusão e ESG.
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