Por Caroline S. Macarini
Nos últimos anos, os jogos de apostas online emergiram como um fenômeno cultural e econômico, atraindo milhões de pessoas em todo o mundo. De acordo com um levantamento da Datahub cedido à CNN, o setor de apostas online cresceu 734,6% no Brasil entre 2021 e abril de 2024, um reflexo direto da regulamentação de apostas esportivas que se consolidou em dezembro de 2018. No entanto, por trás de uma regulamentação que ainda tem muito espaço para melhorar e de uma fachada de entretenimento e oportunidades de ganho, esconde-se uma ameaça silenciosa à saúde mental de muitos jogadores. Com recompensas intermitentes e imediatas de fácil acesso e disponibilidade constante, a linha entre a jogatina casual e o comportamento compulsivo passa a ficar cada vez mais tênue.
Apostas não são uma novidade para os brasileiros. Uma pesquisa da Hibou com 2.839 brasileiros de todas as classes sociais revelou que 68% da população nacional participa ativamente de algum tipo de jogo de azar, sendo que 47% dos entrevistados jogam na modalidade loteria, que existe há muito tempo na cultura brasileira. Quem nunca tentou a sorte na Tele Sena ou na Mega da Virada? No entanto, com a explosão do segmento de apostas esportivas e, mais recentemente, dos cassinos online, apostar ficou muito mais fácil – e tentador.
É nesse cenário que os riscos à saúde mental entram em jogo. A participação excessiva em jogos de apostas online está associada a problemas significativos como ansiedade, depressão, isolamento social e, em última e mais radical instância, ideações suicidas. Conforme o vício se desenvolve e as apostas passam a escalar as prioridades dos jogadores, as relações sociais podem começar a se deteriorar e os impactos da jogatina constante, permeada por perdas cada vez mais significativas, inevitavelmente extrapolam a esfera financeira e alcançam a mente dos indivíduos viciados.

Mas como o vício surge tão facilmente se perder a aposta significa, de forma literal, perder dinheiro? A natureza dos jogos de apostas online, caracterizada por recompensas instantâneas, estimula a liberação de dopamina no cérebro, neurotransmissor associado ao prazer. Essa liberação reforça o comportamento de jogo, aumentando o risco de dependência. A incerteza constante sobre os resultados potencializa a excitação e pode levar os indivíduos a continuarem jogando na esperança de ganhar, mesmo após perdas significativas. Assim, perder deixa de ser um prejuízo financeiro e se transforma em um estímulo para conseguir mais em uma próxima jogada.
A condição é tão séria que caracteriza uma doença: a ludopatia. Também conhecida como transtorno do jogo, a ludopatia é uma condição psicológica caracterizada pela compulsão em jogar, mesmo diante de prejuízos financeiros, emocionais e sociais. Pessoas com ludopatia têm dificuldade em controlar o impulso de apostar, o que pode levar ao endividamento, deterioração de relacionamentos e problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão. A condição é reconhecida como um transtorno pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e a identificação geralmente se dá por meio de entrevistas clínicas estruturadas, escalas de avaliação e testes psicológicos, como o diagnóstico DSM-5 Criteria.

Com tantos riscos e consequências, prevenir e tratar o vício em jogos exige uma movimentação coletiva. A regulamentação rigorosa das plataformas de apostas, incluindo restrições à publicidade direcionada a grupos vulneráveis e a promoção de práticas de jogo responsáveis, e a disponibilização de serviços de apoio psicológico e programas de tratamento para aqueles afetados pelo vício, são algumas das melhores opções.
A Lei nº 14.790, de 29 de dezembro de 2023, que regulamenta a modalidade lotérica denominada apostas de quota fixa no país, é um bom exemplo de medida institucional efetiva para auxiliar no combate. Ela estabelece que as operadoras devem implementar políticas de prevenção a transtornos de jogos, incluindo orientação e informação sobre riscos, apoio psicológico e alternativas à dependência.
É um ótimo começo, mas parar não é uma opção. A regulamentação das apostas online, assim como incentivos à priorização do bem-estar psicológico, é um passo importante, claro, mas representa apenas o começo de um esforço contínuo para proteger a saúde mental e promover um ambiente de entretenimento responsável e seguro.
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