Incentivar a socialização de alunos após tanto tempo presos em casa é um dos grandes desafios que professores e pedagogos devem enfrentar este ano
Não é exagero dizer que a pandemia do novo coronavírus é a pior crise de saúde global dos últimos cem anos e seus efeitos serão sentidos pelas próximas gerações em todas as áreas da sociedade. Na educação não é diferente. Se as relações sociais dos adultos já foram profundamente alteradas, para as crianças as mudanças foram infinitamente maiores. Suas vidas passaram a girar em torno de suas casas e dos familiares mais próximos, sem uma definição de quando poderiam encontrar novamente os amigos e professores – algo tão essencial para uma boa formação pessoal.
O estudo “Cenário da Exclusão Escolar no Brasil – um alerta sobre os impactos da pandemia da Covid-19 na Educação”, desenvolvido pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), analisou o retrocesso que a educação brasileira deve sofrer por causa da pandemia do novo coronavírus, justamente por causa do repentino fechamento das escolas, em março de 2020. De acordo com o material, o número de crianças que perdeu o acesso à educação (remota ou presencial) chegou a bater mais ou menos o mesmo nível do ano de 2000, mostrando o atraso que isso deve gerar nas próximas gerações.
Porém, existe um outro cenário que deve ser levado em conta e que tem desafiado professores e responsáveis pelas áreas pedagógicas das escolas: o comportamento retraído das crianças e a dificuldade no processo de socialização, conforme as escolas foram reabrindo e recebendo mais alunos. Com o avanço da vacinação contra a Covid-19, as escolas puderam reabrir gradativamente com a condição de garantir todos os cuidados possíveis em torno da segurança dos alunos. E analisando essa volta aos ambientes escolares, quero propor a seguinte reflexão: quanto a interação das crianças foi prejudicada por esse período de reclusão em casa? E vou além: como podemos medir e contornar o impacto negativo disso?
Isso já é uma preocupação global, conforme destaca relatório divulgado pela Ofsted, entidade que fiscaliza os serviços de educação oferecidos no Reino Unido. Para a organização britânica, os efeitos do isolamento no desenvolvimento infantil já começam a impactar no dia a dia das escolas, com crianças cada vez mais fechadas, retraídas e com dificuldades em praticar atividades que parecem simples, como ir ao banheiro sozinha, assoar o nariz entre outras.
Imagine a situação: uma criança em franco processo de interação social nas escolas recebe a notícia de que não poderá encontrar seus amigos e professores nas próximas semanas e meses por causa de um bichinho invisível. Dali em diante, essa mesma criança passa a viver unicamente na casa da família, onde interage com as mesmas (e poucas) pessoas durante o dia. O quadro é ainda mais crítico quando falamos de crianças que não têm irmãos de idade parecida para conviver em casa.
Neste caso, a criança passa a ter conexão apenas com adultos que praticam vocabulários e assuntos diferentes daquilo que ela ouviria em uma escola e que sem dúvida seria mais útil para seu desenvolvimento e socialização. Já era de se prever que este pequeno ou pequena teria dificuldades em interagir na hora de reencontrar outras crianças quando a situação sanitária melhorasse.
É importante destacar que a ida à escola pode ser considerada como o início da independência de uma criança. É lá que ela passará grande parte do seu dia longe das figuras maternas e paternas e, consequentemente, vai iniciar o processo de relacionamento com colegas. É mais do que claro que o processo de socialização é uma fase importante no desenvolvimento infantil, já que isso pauta os primeiros aprendizados, escolhas, gostos e aptidões das crianças. É uma das bases que formará o caráter e o senso de cidadania de cada uma delas.
Portanto, se as escolas já têm um papel de garantir a socialização das crianças, isso ganha uma importância redobrada diante do quadro de crianças com dificuldades de relacionamento, por causa do isolamento social. É necessário mostrar aos alunos que a escola é, acima de tudo, um espaço voltado para interação e coletividade e que ela não precisa se retrair ao encontrar outras crianças.
O espaço ekoa é uma escola que atende crianças entre 4 meses e séries iniciais do Ensino Fundamental, é reconhecido como uma escola inovadora e referência na educação infantil. O espaço físico é parte integrante do projeto pedagógico da escola e é um importante diferencial. As atividades são realizadas prioritariamente ao ar livre e as crianças podem se apropriar de todos os ambientes com segurança e responsabilidade. As turmas são multietárias e não existem salas de aulas definidas, o que estimula a cooperação entre as crianças e contribui para que elas construam relações que podem durar a vida inteira.
O espaço ekoa fica na rua Rua Antonio Mariani, n° 58, Butantã e está aberto de segunda a sexta-feira das 7 às 19 horas.
Ana Paula Yazbek é pedagoga, formada pela Faculdade de Educação da USP, com especialização em Educação de Crianças de zero a três anos pelo Instituto Singularidades, com mestrado em Educação pela Faculdade de Educação da USP. É Diretora Pedagógica do espaço ekoa, casada com Marcos Mourão com quem tem dois filhos, Marina e Pedro.
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