Nas questões de violência de gênero, as empresas possuem responsabilidade social e com maior comprometimento ainda, com suas trabalhadoras. É necessário atuação nos moldes ESG: no combate, no acesso à informação, em ambientes de acolhimento, canais seguros de denúncia e práticas preventivas que zelem a intimidade de suas trabalhadoras.
No Mês da luta 8M é necessário relembrar todas as lutas feministas, relembrar àquelas que lutaram e as que lutam conosco todos os dias em prol de direitos das mulheres. O Dia Internacional da Mulher, 8 de março, refere-se ao 8 de março de 1908. Nesse dia, a Liga Sindical Feminina (WTUL) nos EUA, organização de trabalhadoras e sufragistas, realizou uma manifestação batizada de “Dia da Mulher”, em que reivindicavam o direito ao voto e melhores condições de trabalho. A data foi proposta como marco das lutas das mulheres, em 1910, por Clara Zetkin (BLAY, 2001).
É momento de pegar fôlego, ainda que as estimativas da ONU (2023) relatem que “serão necessários 300 anos para o mundo atingir a igualdade de gênero”. Dentre as incontáveis desigualdades atravessadas por interseccionalidades diferentes, proponho refletirmos sobre uma que talvez não tão comum nos debates de Compliance em gênero.
O porn revenge, como prática de violência contra mulheres pode repercutir na esfera laboral e por isso deve-se um olhar atento a perspectiva ESG. Com raiz na misoginia, que significa, o ódio contra mulheres. Academicamente equivalente a transfobia ou homofobia. Atualmente, em processo de análise pela Câmara dos Deputados, por meio do Projeto de Lei n. 872/2023 que visa tornar crime as práticas de misoginia. A misoginia ramifica em correntes de simbioses nefastas e de problemas estruturais: o machismo e sexismo.
Misoginia, machismo e sexismo perfazem a narrativa do seriado Intimacy (Intimidade), a série espanhola (2022) disponível na Netflix, que aborda o vazamento e compartilhamento, de vídeos íntimos, demonstrando diversas faces da violência de gênero dessa prática.
A violência tem efeitos ricochetes para além da vítima: a abordagem de Intimacy
Intimacy (Intimidade) aborda o vazamento de vídeos íntimos. Tal prática como vimos é chamada de pornô de vingança (Porn Revenge). A repercussão ultrapassa o pessoal da narrativa das duas mulheres que têm suas histórias entrelaçadas. Aborda a repercussão no âmbito familiar, nas atividades laborais e na sociedade com problemas estruturais de machismo.
A primeira estória apresenta Malen, advogada e política, inclusive, candidata a prefeitura da cidade. Malen, teve uma gravação de ato sexual numa praia pública sem seu consentimento. Além das pressões políticas, o debate maldoso da mídia e também da sociedade, ela vê o impacto na vida privada, como na vida social escolar da filha adolescente. A falta de preparo do Partido político para lidar com a situação fez com que do ostracismo de sua filiada e então bem avaliada como profissional e política, usasse do debate feminista para (re) incorporá-la nas atividades.
A segunda estória nos apresenta Ane que também narra o seriado. Ane teve vídeos íntimos gravados com consentimento em um relacionamento passado. Após muitos anos, o ex-namorado inconformado com o término, a ameaça com os vídeos antigos. Compartilha e promove o compartilhamento. O vídeo chega aos colegas de trabalho da fábrica. Depois de bastante constrangimento, Ane procura os superiores para relatar a situação e auxiliá-la na situação dentro do local de trabalhado, em seus horários de expediente. A empresa, sem preparo algum, expõe ainda mais Ane o que gera revolta dos colegas de trabalho e ainda mais constrangimentos. Em extrema situação de estresse, devido a situação, Ane comete uma atitude drástica, que aconselho você leitor, acompanhar a série.
Qual o maior ensinamento da série?
A necessidade de um Compliance estabelecido em diretrizes de diversidade e gênero, com toda a certeza!
As narrativas conversam entre os sistemas e alertas. A série, com toda a certeza, indica uma série de reflexões e práticas a serem implementadas: nas empresas em todos os graus hierárquicos; políticas das instituições educacionais; na esfera partidária, eleitoral e política; o acesso à informação; políticas públicas e regulação de crimes (como alguns já realizados pelo Brasil); do esclarecimento de diversas formas de violência contra às mulheres entrelaçadas. É possível perceber ainda a necessidade de canais de denúncia; do esclarecimento das esferas de consentimento das vítimas; das formas de acolhimento – social, público e privado.
Todos estes pontos, estão fortemente ligados ao Pacto Global que orienta os eixos dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ambos documentos da ONU. São estes documentos que indicam as práticas e promoções ESG. O enfrentamento da questão estrutural da misoginia, é claro nestes documentos. Por isso, combate a misoginia e todas as violências de gênero decorrentes é responsabilidade social.
O porn revenge e a violência de gênero: alguns apontamentos da legislação nacional
Em 2018, a ONG SaferNet, realizou pesquisa e identificou que os crimes cibernéticos de violência contra mulheres, cresceram de 961 casos em 2017 para 16.717 em 2018. Certamente, em uma análise lógica, podemos crer que os dados de cinco anos atrás encontram-se em número exponencial, visto que todos os dados nacionais asseveram que todos os tipos de violência contra a mulher aumentaram, principalmente, durante o período do COVID-19.
A Lei Federal 13.718/18, conhecida como Lei de Importunação Sexual, também trouxe mudanças e a alteração na Lei Maria da Penha. Tornou-se CRIME a divulgação não autorizada de conteúdo com cena de nudez ou ato sexual de caráter íntimo e privado. A pena varia de um a cinco anos de prisão.
A pornografia de vingança, chamada de porn revenge, consiste na divulgação de imagens íntimas, por meios eletrônicos, como sites ou redes sociais. Imagens íntimas, refere-se a vídeo ou foto com cenas íntimas, de nudez ou relação sexual. O consentimento da vítima exposta para a gravação do vídeo é ponto para aumentos de pena pois há outras práticas ilícitas envolvidas.
O vazamento e o compartilhamento, pode vir acompanhando de chantagem emocional ou financeira, e a isso, chamamos de sextorsão. Outro ponto é que todos os quesitos são cabíveis tanta para a pessoa que originou o vazamento ou quanto da pessoa que compartilhou e usa para causar efeitos similares de sextorsão.
A sextorsão alguém finge ou possui posse de conteúdos íntimos e usa como forma para: ameaçar; cobrar de valores; invadir contas e dispositivos etc.
Outra prática atrelada é o stalking, o termo significa uma perseguição online, e é compreendido como uma forma de violência psicológica em que assedia e deixa a vítima com medo. Essa prática pode ser reconhecida com atitudes como: vigiar a pessoa; enviar mensagens indesejadas com invasão de privacidade ou exposição fatos e boatos sobre a vítima. Por meio da alteração trazida pela Lei 14.132/2021, tal prática também se tornou CRIME no Brasil, alterando o art. 147-A do Código Penal.
Caroline Vargas Barbosa é advogada, docente universitária e pesquisadora. Doutorando em Direito pela UnB, Mestra em Direito Agrário pela UFG e especialista em Processo Civil pela UFSC. Atua em pesquisas e assessoramentos de diversidade, inclusão e ESG.
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