Até quando eu posso ser cobrado por uma dívida?

Dolce Justiça

Dra. Rita de Cássia Biondo

É importante ressaltar que uma dívida nunca “morre”; o que “morre” é o direito de cobrar judicialmente por um determinado débito

Nos dias de hoje, uma das coisas que mais leio nas redes sociais, e até mesmo nas dúvidas encaminhadas pelo site do escritório é: “Tenho uma dívida antiga, bem antiga e agora do nada, passei a receber ligações de empresas de cobrança, isso pode? Não caducou? Pelo que me lembro, faz mais de 6 anos dessa dívida… estou sendo vítima de um golpe…”

Bem, é muito comum empresas de cobrança adquirirem o crédito oriundo da carteira de clientes devedores de outras empresas, em sua maioria banco, por um valor bem abaixo da dívida real e passam a ser as detentoras do direito de receber, a isso damos o nome de Cessão de Crédito, conhecida também como “Venda de Dívidas a Terceiros”.

Antes de mais nada, ainda é importante ressaltar que uma dívida nunca “morre”; o que “morre” é o direito de cobrar judicialmente por um determinado débito.

Vamos imaginar que você fez uma dívida com o banco e, por algum motivo, não conseguiu pagar. Após várias tentativas de reaver esse dinheiro, para não ficar totalmente no prejuízo, o banco vende essa dívida para operadoras que trabalham com a aquisição e cobrança de carteiras de créditos vencidos ou recebíveis vencidos.

É comum, após o passar dos tempos, que você venha a receber chamadas telefônicas, mensagens, e-mails (entre outros), sobre a existência de um débito que, por inúmeras razões, passou sem ter sido pago a seu tempo, embora já prescrito, ressaltando que a prescrição ocorre quando já transcorrido mais de cinco anos.

Por meio da Cessão de Crédito, conhecida também como “Venda de Dívidas a Terceiros”, essas empresas compram o débito do cliente com o banco por um valor bem abaixo da dívida real e passam a ser a responsáveis pelo recebimento.

Por isso, elas são especializadas em cobranças: elas criam uma estratégia para te incentivar a quitar a dívida quando o banco estava prestes a “desistir”. E agora, o valor que você paga não é mais do banco, e sim dessa empresa.

Ou seja, como o objetivo do banco é não perder tempo em atividades que envolvam o desgaste e o prejuízo com cobranças (afinal essa não é a atividade dele), ele “transfere” essa atividade a outrem, e você acaba se perguntando: “pode isso?”

Sinto te dizer que sim. Por óbvio que, quando precisamos de um empréstimo, por exemplo, a intenção principal é receber os valores pretendidos para colocarmos fim àquela agonia que nos acompanha e por essa razão não observamos as cláusulas contratuais, não é mesmo?

Independente do contrato ser firmado com um banco, plano de saúde, operadoras de telefonia entre outros, na maioria esmagadora das vezes existe uma previsão contratual que dispõe sobre a possibilidade de, no caso de inadimplência, o crédito tratado nesse contrato, ser cedido a um terceiro.

Por isso, é fundamental ler o contrato atentamente antes de assinar. Quando um advogado lhe diz isso, acredite, ele não está querendo valorizar os seus serviços, apenas indicar que só esse caminho poderá te ajudar a entender os seus direitos em caso de inadimplência, além de te munir de informações úteis para identificar se aquela contratação é realmente vantajosa para você naquele momento.

Mas essa é uma atividade legal? A empresa pode fazer isso? Outro sim bem grandão para ilustrar a resposta. O nosso código civil prevê a Cessão de Créditos, então não adianta você perder seu tempo, ao ser contatado por uma empresa dessas, tentando argumentar no sentido da ilegalidade da atividade, pois não é, desde que você tenha ciência! E nesses casos a ciência se dá com a assinatura do contrato.

A má notícia: essas empresas que compram esses recebíveis vencidos na maioria esmagadora das vezes vão ganhar pelo cansaço, farão de tudo para receber essa dívida, mesmo que ela esteja prescrita.

E nesse sentido, é importantíssimo alertar você, meu caro leitor, que caso você seja contatado por uma dessas empresas, exerça seu direito de solicitar toda a documentação da cessão de crédito, porque espertinhos é que não faltam nesse mundo, e pode ocorrer dessa empresa que está te cobrando ainda não ter adquirido legalmente seu crédito, e, quem paga mal, paga duas vezes, se é que me entende (risos).

Em razão disso, sempre verifique a documentação e fique atento! A atenção tem que ser redobrada também em relação a taxa de juros, encargos legais e honorários advocatícios pois esses não podem ser diferentes dos pactuados no contrato original (mais uma vez, lembre-se: conhecer o contrato é muito importante).

“Tá, Dra., entendi sobre essa parte, mas e o meu nome negativado quem resolve?”. O banco vendeu minha dívida, meu nome foi negativado por ele e agora? O banco ao vender o seu crédito a um terceiro terá que proceder com a baixa dessa negativação, porém ao adquirir seu crédito a empresa passa a ter o direito de negativar seu nome também. A notícia “boa”? Pode negativar desde que a idade de sua dívida não ultrapasse cinco anos pois seu nome só pode ficar restrito por, no máximo neste período, a contar da data de vencimento da obrigação que não foi paga.

Como foi dito no início do artigo a dívida nunca morre; o que morre é o direito de ajuizá-la, e quando eu digo que a dívida nunca morre, não devemos confundir com cobrança abusiva, aquela que constrange, coage, humilha, sabe? A cobrança sempre deve ser realizada de maneira adequada e dentro dos limites da razoabilidade, sob pena da empresa de cobrança ser processada e vir a indenizar, por isso, o famoso feitiço virando contra o feiticeiro.

Nesse ponto, o Código de Defesa do Consumidor repreende e penaliza quem age com excesso. Em termos práticos podemos citar alguns exageros ou atos vexatórios recorrentes por atingir a dignidade do devedor, tais como receber número exagerado de ligações telefônicas, SMS, mensagens diárias por WhatsApp e ser vítima de cobranças no meio do público (cobrança pública no local de trabalho, na faculdade ou locais de lazer etc.).

Então, para finalizar essa questão geradora de dúvidas e angustias, ficam algumas lições: sempre leia com atenção os contratos que assina; em caso de inadimplência fique atento a forma como você é cobrado; não aceite cobranças abusivas e vexatórias; exerça seu direito de consumidor e antes de efetivamente pagar uma dívida, tenha sempre a certeza inequívoca que está pagando para a empresa correta!

Rita de Cassia Biondo Ferreira é advogada graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Cidade de São Paulo, Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Superior de Advocacia e Pós-graduanda em Direito Coorporativo e Compliance na Escola Paulista de Direito. Especialista em Direito do Trabalho, Due Diligence Trabalhista, Direito Imobiliário, Direito das Sucessões e Prática Contratual atua como sócia-fundadora do escritório de advocacia D&B Advogados Associados e da empresa DBCOB Gestão de Créditos e Débitos.

Os artigos assinados não traduzem ou representam, necessariamente, a opinião ou posição do Portal. Sua publicação é no sentido de estimular o debate de problemas e questões do cotidiano e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo

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