Divagações para um ano que começa

Paulo Maia

Devemos dar pouca ou nenhuma importância a ideologias e polarizações e buscarmos entender como lidar com situações que dizem respeito a todos nós

O ano que passou tem grandes chances de entrar para a história como o ano que não deve ser mencionado. Assim como superstições que indicam que não se devem falar o nome de um lugar ou uma pessoa amaldiçoada, não ousaremos dizer “o ano de 2020”. Ao invés, iremos nos referir como aquele da pandemia, do negacionismo, da quarentena, do distanciamento social, das aglomerações condenáveis, do “novo normal” e tragicamente, das mortes. Especialmente para aqueles que tiveram alguém próximo morto pelo vírus. E será lembrando também como o ano em que a intolerância e a ignorância alcançaram maiores índices. Lamentavelmente, isso tudo não desaparece apenas com a mudança simbólica de uma data.

Quanto mais o número de postagens de mensagens que supostamente deveriam nos fazer refletir sobre nossa condição como seres humanos surgem nas redes sociais, mais o sentimento de ser diferente de outras pessoas aumenta. Esse fenômeno não nasceu no ano passado, claro. É bem mais antigo do que você pode imaginar. Talvez tenha nascido com o próprio surgimento de nossa espécie. Mas características ideológicas no comportamento das pessoas neste mundo contemporâneo tem se intensificado muito nos últimos tempos, a ponto de falarmos hoje em polarização. Este comportamento que até pouco tempo era quase de universitários das áreas de humanas, os tais engajados, hoje está espalhado por conta da banalidade das ideologias. Por exemplo, hoje se identificar como de esquerda ou de direita se tornou tão essencial quanto reconhecer a própria sexualidade. Talvez até mais importante, pois em relação ao sexo, ser bissexual não traz problemas algum de confusão ideológica. Em muitos casos, é uma condição afortunada para curtir a diversão que surgir. Mas a grande verdade é que o comportamento atual das pessoas ainda é movido pela natureza humana em que sentimentos dominam. Mas é melhor falar de posições políticas do que dizer que se tem ódio ou amor por algo ou alguém.

Ideologias trazem em seu rastro de concepção de mundo, invariavelmente, intolerância e ignorância. E muitas ideologias são, de fato, definidas pelos vetores destes últimos. O significado que esquerda e direita ganharam nos últimos tempos, está muito diferente daquela simples indicação de quem ficava à esquerda ou à direita no parlamento francês logo após a revolução. Há muito que se pode dissertar aqui. Por ora, vamos apenas lembrar que a esquerda daquela época defendia a burguesia, o republicanismo, o livre mercado e o secularismo. Afora esse último, os primeiros interesses hoje são agenda da… direita!

Quem se considera hoje de esquerda hoje, entende-se como “esclarecido” e vê na direita só ignorância. Quem se considera de direita, não tem dúvidas de suas convicções e verdades e vê seu oponente como comunista. Esse termo então, ganhou status de palavrão. Nos anos 60 e 70, dizia que comunista “comia criancinhas”. Sem conotação sexual. Era comer mesmo, quase que um canibalismo como faziam os indígenas tupis quando batiam seus inimigos numa batalha. Obviamente um exagero na figura de linguagem. Hoje, se você quer xingar alguém, chame-o de comunista e assim você está indicando que ele não tem humanidade, não acredita em Deus e Jesus Cristo e é a favor de uma tal de “ideologia de gênero” – denominação inventada por gente de… direita.

Ao olhar de longe, pode parecer aquela coisa de gente de “bem” e gente do “mal”. Mas a esquerda apenas possa como alguém do “bem”, que pensa nos pobres e nas minorias. Por trás de discursos como esse, há muitas manobras de manipulação de pessoas e indução de atitudes para serviço de interesses de poucos. Quem quer que tenha participado de alguma iniciativa humanitária liderada por algum político de esquerda ou líder religioso entende muito rápido, quando não na própria pele, que o que está em jogo é poder e manipulação para benefício deles próprios.

Quem busca um pouco de informação na história social humana, verá que qualquer grupo que tenha se identificado com qualquer uma dessas direções, manipularam e mataram milhões de pessoas em suas épocas e em nome de seus ideais. Ideologias sociais ou religiosas levam a condição humana a extremos da vida e da morte com seus escritos sagrados na palma da mão.

A dicotomia em que nos encontramos ainda vai perdurar este ano e nos próximos. Essa é certeza na qual podemos nos fiar para planejar o que fazer daqui pra frente. Buscar se diferenciar do outro cuja cultura você não aprova é traço de nossa humanidade. Não se esqueça disso para saber lidar com essa natureza e assim quem sabe, tratar todos os outros que habitam o mesmo lugar que você da mesma forma que você quer ser tratado. Talvez tenha chegado a hora de darmos pouca ou nenhuma importância a ideologias e polarizações e vê-las apenas como um traço de uma personalidade que fora mimada demais para enfrentar a realidade como ela se apresenta de verdade.

Na rotina concreta e prática do nosso dia a dia, que se traduz em cuidar de ter o que comer, onde dormir e se proteger, criar a prole para que esta, em algum momento, vá também cuidar de suas vidas, vamos enfrentar muitas dificuldades ainda por que estamos vivendo uma pandemia e suas consequências são em grande parte imprevisíveis e incomensuráveis. Há algo dentro de nós que diz que uma hora isso tudo vai acabar. Só não sabemos se viveremos esse momento. E antes de ser um pensamento pessimista, receba-o como um motivo para manter a luta e a vigília pela vida.

Há esperança. Essa aposta no melhor e que podemos vencer, sem saber como, é que trouxe a humanidade até aqui. É neste ponto, humildemente, que temos que compartilhar entre nós e se concentrar em colaboração mútua. E pôr a geração do porvir para aprender o melhor da vida.

Que 2021 nos seja leve!

Paulo Maia é publicitário, um pensador livre e morador do Morumbi que mantém sua curiosidade sempre aguçada

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