O que é preciso entender para começar a ser um anticapacitista?

Diversidade Dolce

Caroline Vargas Barbosa

Capacitismo é a discriminação em razão da deficiência. Afinal, quem ganha com a discriminação? A inclusão das pessoas com deficiência somente será possível com a compreensão da responsabilidade social com o anticapacitismo

Imagem por Marcelo Maders de Oliveira em Canva Fotos

Em 2019, 66,3% das pessoas sem deficiência estavam empregadas, enquanto o número de pessoas com deficiência era de 28,3% (IBGE, 2022), sendo que apenas 34,3% dos trabalhadores com deficiência têm vínculo formal. Toda a exclusão das pessoas com deficiência para aos diferentes acessos como educação ou saúde reflete também no mercado de trabalho. Gerações anteriores sequer tiveram acesso à educação. Ainda hoje, há problemas de acessibilidade de transporte público que também aparece como causa de afastamento das pessoas com deficiência do mercado de trabalho. O acesso ao saneamento e à internet é menor entre as pessoas com deficiência e 18,2% das pessoas com deficiência estão abaixo da linha de pobreza.

No entanto, em uma sociedade ainda bastante deficiente, pensar de forma anticapacitista é alcançar transformações dos olhares sociopolíticos e econômicos que promovam o ingresso das pessoas com deficiência em todas as esferas de relação de poder. Somente assim, haverá um (des)envolvimento dos sujeitos com deficiência.

A inclusão percebida assim como uma construção de pacto civilizatório que promova o pensamento em que englobe todas as pessoas. A adaptação não deve mais ser a nossa meta, isso é o mínimo. A meta é sim, a acessibilidade, em todos os ambientes, mas especialmente pensamento no acesso ao trabalho, uma inclusão em todos os espaços. Não há mais espaço para comemorar somente por banheiros acessíveis.

Acessibilidade e inclusão são normas-prioritárias no País, jamais foram benesses. Ocorre que, a negação da existência das pessoas com deficiência, sistemática e institucional, por diversos momentos históricos e contextualizados em tempos e culturas, também trouxe o apagamento da existência-imagem dessas pessoas, na sociedade, como em geral.

O que significa dizer? Não nos acostumamos com as pessoas com deficiências, em suas características e habilidades, e, tampouco, percebemos quais as barreiras externas que impediam de estarmos lado a lado, convivendo com naturalidade com as diferenças.

O capacitismo

Capacitismo tem origem do julgamento da capacidade de um indivíduo em razão de atributos físicos e concepções culturais preconceituosas colocando o outro como sujeito menos capaz de quaisquer atividades do dia a dia. Pessoas com pensamentos capacitista enxergam deficiências como PROBLEMAS.

Assim, capacitismo julga pessoas com deficiências menos capazes e negam suas habilidades ou formas diversas de realização das mesmas atividades. As barreiras que as pessoas com deficiências encontram na sua existência, seja na rua, no trabalho, no colégio, no hospital ou no restaurante, são externas a elas.

Esse é um conceito importante de registrar, que foi marcado pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência/2015. Dizer que as barreiras são externas às pessoas com deficiência, significa dizer que todos e quaisquer lugares ocupados por pessoas sem deficiência também pertencem às pessoas com deficiência.

Significa dizer, que pessoas com deficiências, não possuem problemas ou obstáculos, mas sim, os ambientes oferecem resistências (barreiras) para que a pessoa com deficiência ocupe como todas as demais pessoas.

Imagem por halfpoint em Canva Fotos

Um exemplo

O Estatuto da Pessoas com Deficiência (2015) indica como barreira arquitetônica aquelas existentes nos edifícios públicos e privados. Ou seja: o prédio possui barreiras arquitetônicas que impedem o acesso de todas as pessoas, porque foi projetado, somente pensando em um padrão de corpo. Imagine um prédio privado que não possui elevador. A barreira é do prédio e não da pessoa. É o prédio que impede seu acesso. Sua autonomia. Sua liberdade.

Em Portugal, esse conceito é bastante sólido. Esse tipo de barreira, abarca dois sujeitos, pessoas com deficiência e pessoas com baixa mobilidade, como os idosos. Os prédios, públicos e privados, tiveram uma regulação que definiu um prazo, cronograma e orientações para adequações. Os prédios que não poderiam, devido ao tempo de construção, implementar elevadores, resolveram a questão com cadeiras-elevadores paralelas aos corrimãos.

Esse produto, por exemplo, é fornecido pela empresa Thyssenkrupp, presente na América Latina há mais de 180 anos. Recentemente, em 2020, essa empresa assinou parceria com o governo brasileiro, sob o comando do Ex-presidente Bolsonaro, para a construção de 4 Fragatas da Classe Tamandaré para a Marinha do Brasil “o mais moderno e inovador projeto naval já construído em território nacional”. Prioridades, não é mesmo?

Em 2022, a Thyssenkrupp aferiu receita de cerca de 41 bilhões de euros (2022), grande parte pelo comprometimento dos eixos do Pacto Global, por meio das práticas ESG: sustentabilidade; diversidade e inclusão e boa governança.

Nota de esclarecimento da thyssenkrupp de 06/06/2023 sobre os dois parágrafos acima:

”A thyssenkrupp reitera que concluiu a venda de seu negócio de elevadores em julho de 2020 para o consórcio liderado pela Advent International e a Cinven, que deu origem à empresa TKE Elevadores. Portanto, a empresa não está atuando mais neste mercado e não possui vínculo com o funcionário citado na matéria”

A responsabilidade é sua também

O Estatuto da Pessoa com Deficiência (2015), previu uma responsabilidade compartilhada e intergeracional para o devido pertencimento das pessoas com deficiência na sociedade.

Assim, chamou todos ao dever cidadão e com previsão legal, de auxiliar na construção de uma sociedade anticapacitista. Cabe a nós, disseminar informação e contribuir para a realização disso. O art. 8 da lei, indica:

É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros (…). (grifo nosso)

A inclusão deve ser de responsabilidade e prioridade de todos.

Portanto

Enquanto persistir a ideia de que as pessoas com deficiência que não deveriam estar em determinados lugares; ou que não há por que reclamarem pela igualdade de acessibilidade, continuaremos contrariando a própria interpretação da lei. Continuaremos atrasando o avanço social. Perderemos todos com a falta de inclusão.

O objetivo é compreender que não há “problema” com a pessoa com deficiência. Se ela encontra obstáculos é porque são barreiras externas, de quem ou aonde, não reconhecem as diferenças. Seja por desconhecimento, negligência ou omissão.

Não há nenhuma permissão legal, em todo o nosso ordenamento que permita, negar quaisquer diferenças entre os cidadãos brasileiros, sejam de: raça, gênero, sexualidade ou expressão de gênero, por etarismo ou por condições biopsicossociais, como as consideradas para a definição de pessoa com deficiência.

Podemos e devemos dialogar, refletir, construir juntos a partir da perspectiva das pessoas com deficiência (nada sem nós!), caminhos e alternativas, para que todos possam ser, estar e permanecer, no nosso povo.

É hora de aprendermos a ser pessoas anticapacitistas. De construirmos juntos uma sociedade inclusiva, anticapacitista. Você concorda?

Caroline Vargas Barbosa é advogada, docente universitária e pesquisadora. Doutorando em Direito pela UnB, Mestra em Direito Agrário pela UFG e especialista em Processo Civil pela UFSC. Atua em pesquisas e assessoramentos de diversidade, inclusão e ESG.

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